“A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera a convicção acerca das realidades que não se vêem” (Hb 11,1). O Papa Bento XVI em sua encíclica Spe salvi (7) nos diz que a melhor tradução seria “a fé é a substância das coisas que se esperam”, ou seja, a fé nos dá uma concretude da esperança: “poderíamos dizer ‘em gérmen’ e portanto segundo a ‘substância’ – já estão presentes em nós as coisas que se esperam: a totalidade, a vida verdadeira”. De fato, sem a esperança a fé não tem sentido. Não nos serve um acreditar em Deus se não esperamos deste Deus: sua graça, sua vida, a glória. A fé unida à esperança é combustível para ultrapassar nossos limites, para não estagnar diante dos fracassos. É viver a partir da convicção de que a vida se renova a cada dia, de que mesmo diante das tristezas deste mundo, sempre se pode esperar a ação divina que transforma a situação; viver animado pela certeza de que Deus vence no final.
A fé antecipa o que virá, na dinâmica do Reino que é “já e ainda não”. Abraão e Saara não viram a promessa realizada (2ª. Leitura). Somente viram um sinal que antecipava a grande promessa de descendência – o filho Isaac. O nosso Isaac é o que vemos do Reino em meio dos limites da existência: o sorriso da criança, a fraternidade das pessoas, a hospitalidade, a palavra pregada, a Igreja, a Eucaristia. Cremos em Deus e esperamos que Ele seja a solução da história; esperamos no mundo novo, mesmo testemunhando as maldades deste mundo. Parece que quanto mais o tempo passa, mais testemunhamos o quão longe o ser humano pode chegar quão grande são as injustiças e que mesmo as instituições e as pessoas em que acreditávamos são capazes de sucumbir diante do mal. A nossa fé é provada diante das aparentes derrotas do Reino.
A fé não é um conjunto de verdades assimiladas; os homens e mulheres que crêem em Deus correm o risco de viver a partir de verdades e normas que escravizam a vida humana. A fé é um combustível que tem o poder de transformar a nossa vida. O Evangelho chama este modo de viver de vigilância, enfatizando que “o Senhor virá como um ladrão”. Vigilância significa desprendimento (Lc 12,33-34): já vimos no domingo passado que os bens deste mundo não nos completam. Deus o quer despojado, porque como cristão devemos ser sinais de que este mundo passa, de que há algo maior, de que a glória é infinitamente maior que qualquer prazer desta terra. Clemente Romano chama os cristãos de paroichoi – paroquianos. Os paroquianos eram aqueles que viviam em um território estranho por algum tempo e, depois, iam embora, ou seja, eram peregrinos. O cristão é peregrino (um estrangeiro) deste mundo, porque experimenta a alegria da pátria verdadeira que ainda está por vir. Não despreza este mundo, seus valores, suas alegrias, seus prazeres, seus tesouros. Por outro lado, não se deixa seduzir pelas falsas riquezas, prazeres e tesouros. Relativiza tudo, sabe que tudo passa, que tudo se fará novo. Este é o caminho para experimentar antecipadamente o Reino que virá. Vigiar, portanto, significa colocar “mãos à obra”. Cingir os rins (Lc 12,37) é atitude do servo. O judeu dobrava a barra da túnica e cingia os rins a fim de estar mais livre para o serviço necessário. O cristão procura despojar-se do que atrapalha para estar mais livre para servir, para trabalhar por um mundo novo. A vida de fé nos faz ir além de uma existência egoísta que conduz ao investimento das forças no acúmulo, no sucesso, no prazer... A vida deve ser consumida em vistas do que se espera. Ou seja, o Reino prometido é gradativamente conquistado e construído. Crer no mundo novo, onde as relações humanas são entendidas a partir da gratuidade das relações e do amor de Deus, deve nos mover a se empenhar na construção deste mundo aqui e agora.
Há quem muito foi dado, muito será exigido. Jesus nos deixa uma advertência, que o revela como um juiz justo, não um justiceiro. Lembremos que Jesus disse aos mestres que as prostitutas os precederiam no Céu. Seriam elas também mais dignas do que os mestres da fé de nossos dias? Quem recebeu a graça da palavra tem o dever de se empenhar mais pelo amor, pela verdade e pela justiça.
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