*Prof.. Gilson Magno dos Santos
A família, como Santuário da Vida, nascida do matrimônio, evoca de modo preciso o mistério do homem e da mulher e recebe toda a sua riqueza do mistério de Cristo - Igreja (Ef 5, 27-33). O casal Cristo - Igreja se apresenta como originário. O casal homem - mulher é, em certo sentido, derivado. A unidade dual do homem - mulher encontra o seu arquétipo definitivo nas núpcias entre o Senhor Crucificado e ressuscitado e o Seu Corpo, a Igreja.
A imagem paulina da Igreja Esposa de Cristo refaz história da Salvação. Nessa história Deus conquista o Povo Eleito e a sua plenitude é constituída no Povo da Nova Aliança. Toda a Igreja é esposa de Cristo, pois ela recebe toda a sua fecundidade do próprio Senhor. Ele ama o Seu Povo como esposa, para salvá-lo com a oferenda de sua própria vida . A polaridade homem e mulher está em estreita relação com Cristo - Igreja ( Angelo Scola, 1998: p. 23).
O mistério nupcial de Cristo Esposo da Igreja, de fato, exprime-se de modo singular através do matrimônio sacramental, comunidade fecundada de vida e de amor (J. Paulo II, Paternidade e Maternidade, em L’Osservatore Romano 34, 4 de Setembro de 1999, p. 4).
A vida familiar - em suas temáticas diferentes - encontra sua síntese na expressão “grande mistério”(Ef 5, 32). O matrimônio - Sacramento da Aliança dos esposos, é um “grande mistério”, porque nele se exprime o amor esponsal de Cristo pela sua Igreja (cf. Ef 5, 25-26). Os cônjuges encontram em Cristo o ponto de referência para o seu amor também esponsal. A própria família é o “grande mistério” de Deus. como “Igreja doméstica”, ela é a esposa de Cristo. A Igreja Universal e nela cada Igreja Particular, revela-se de maneira mais imediata e coerente como esposa de Cristo na “igreja doméstica” e no amor aí vivido: amor conjugal, amor paterno e materno, amor fraterno, amor de uma comunidade de pessoas e gerações. Porque parte de tal amor e, nesse “grande mistério”, é que os esposos podem amar-se até o fim. Tornar-se partícipe do amor é necessário para conhecê-lo e assumir radicalmente suas exigências (J. Paulo II, Cartas às Famílias 19), de se tornar um “Santuário da Vida”. Analisaremos dois pontos: 1o. Cristológico; 2o. Enclesiológico.
O Senhor Jesus, o Evangelho da Vida
O Evangelho da Vida constitui o âmago da mensagem de Jesus. O seu nascimento é uma proclamação de uma feliz notícia (cf. Lc 2, 10-11). A “grande alegria” é o nascimento do Senhor, mas no Natal, manifesta-se também o sentido pleno de todo nascimento humano, pelo que a alegria messiânica se revela fundamentalmente e plenamente a alegria por cada criança que nasce (cf Jo 16, 21; EV 1).
O núcleo fundamental da missão do Senhor Jesus se condensa nas seguintes palavras : “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância”(Jo 10, 10). Ele fala da vida “nova” e “eterna”, i.é., a comunhão com o Pai, à qual toda humanidade é gratuitamente chamada no Filho, por obra do Divino Espírito Santo, o Santificador. Mas em tal vida, todos os aspectos e momentos da vida humana adquirem plenamente significado (EV 1).
A vocação humana a uma plenitude de vida se estende para além das dimensões da sua existência terrena. Porém, esta vocação revela a grandeza e o valor precioso da vida humana. Inclusive na sua fase terminal. A vida temporal é condição basilar, momento inicial e parte integrante do processo global e unitário da existência humana. Um processo iluminado pela promessa renovada pelo dom da vida divina, que alcançará a sua plena realização na eternidade ( cf. 1 Jo 3, 1-2). A vida terrena, uma realidade relativa, penúltima, É uma realidade sagrada que nos é confiada para cuidar dela com responsabilidade. O Evangelho da Vida encontra, portanto, ressonância profunda e persuasiva na consciência de cada pessoa. Este Evangelho supera as aspirações humanas e, também, as corresponde de modo admirável. É sempre um mais além de nossos desejos. O ser humano é chamado a reconhecer na lei natural inscrita no seu coração ( cf. Rom 2, 14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início ao seu término, e afirmar o direito do ser humano de ver plenamente respeitado este seu bem primário (EV 2).
O Evangelho do amor de Deus pelo homem, o Evangelho da dignidade da pessoa e o Evangelho da Vida são um único e indivisível Evangelho (EV 2).
O Papa João Paulo II centra a sua reflexão sobre Deus Criador e Senhor da Vida (EV II), em uma reflexão teológica sobre Cristo, a “ Palavra de Vida” , a própria vida e fonte de vida eterna (EV 29). Este enfoque cristológico se enquadra no projeto do Concílio Vaticano II (GS 22). João Paulo II entende esclarecer os problemas humanos à luz de Cristo (Del Pozo Abejón: 1996, 314).
A Encíclica Evangelium Vitae é uma síntese bíblico-patrística da reflexão de Cristo novo e definitivo Adão. A reflexão é calcada na Gaudium et Spes 22. Este número é a tese central da antropologia cristológica do Vaticano II. O mistério humano só pode ser esclarecido à luz do mistério de Cristo, por dois motivos.
1o Adão, o primeiro homem, é figura do segundo e definitivo Adão, Jesus Cristo. O último Adão é a raiz, o fim e o critério definitivo para explicar o primeiro.
2o. A revelação de Deus por Cristo implica a manifestação ao próprio homem de sua vocação a de ser filho de Deus e participar na vida divina mediante a sua própria incorporação Nele pelo Espírito Santo. A teologia se faz antropologia e a antropologia se faz completamente teológica. Visto que através de Cristo é capaz de incluir no discurso sobre Deus também a pessoa humana, e descobrir assim a mais profunda unidade teológica. O texto da Gaudium et Spes é a chave para interpretar a teologia da Encíclica em questão. O seu ponto de partida é o Evangelho da Vida.:
O Evangelho da Vida não é uma simples reflexão, mesmo se original e profunda, sobre a vida humana; nem é apenas um preceito destinado a sensibilizar a consciência e provocar mudanças significativas na sociedade; tampouco é a ilusória promessa de um futuro melhor. O Evangelho da Vida é uma realidade concreta e pessoal, porque consiste no anúncio da própria pessoa de Jesus. Ao apóstolo Tomé e nele a cada homem, Jesus apresenta-se com estas palavras: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”(Jo 14, 6). A mesma identidade foi referida a Marta, irmã de Lázaro: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto viverá; e todo aquele que vive e crê em mim , não morrerá jamais”(Jo 11, 25-26). Jesus é o Filho que, desde toda a eternidade, recebe a vida do Pai (cf. Jo 5, 26) e veio estar com os homens, para os tornar participantes deste dom: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”(Jo 10, 10; EV29).
João Paulo II não despreza a racionalidade humana: “Então, a vida divina e eterna é anunciada e comunicada em Jesus, “Verbo da vida”. Graças a este anúncio e a este dom, a vida física e espiritual do homem, mesmo na sua fase terrena, adquire plenitude de valor e significado: com efeito, a vida divina e eterna é o fim, para o qual está orientado e chamado o homem que vive neste mundo. Assim, o Evangelho da Vida encerra tudo aquilo que a própria experiência e a razão humana dizem acerca do 0valor da vida humana: acolhe-o, eleva-o e o conduz à sua plena realização (EV 30).
A razão humana pode conhecer aspectos essenciais da verdade sobre a vida e a fé do Antigo Testamento em Deus Criador e Senhor da Vida humana. Ela antecipa certos elementos do Evangelho da Vida, os quais são parte da verdade fulgurante em Cristo. A verdade acessível racionalmente é comprovada, purificada e iluminada com a luz superior da fé em Cristo.
O conhecimento de Cristo se fundamenta numa escatologia, pois somente em Cristo se conhece a verdade plena, e Ele nos revela o nosso destino definitivo (Ef 1, 4-6). Ele nos revela o desígnio de amor do Pai e o nosso destino: participação na vida divina acolhida pela fé e operante pelo amor de doação a Deus e à humanidade (EV 37). Em Cristo a dignidade humana se manifesta tanto pela sua precedência divina quanto pelo seu destino de comunhão com o Deus uno e Trino (EV 1.38; Del Pozo Abejón: pp. 318-321).
Quando se esquece do Criador, perde-se o sentido da pessoa humana (GS 36). A falta de referência ao Criador contribui para obscurecer a singularidade e transcendência da vida humana em relação às demais criaturas visíveis. Objetiva-se a vida humana e se considera como “coisa” entre as demais coisas. Verifica-se, então, uma espécie de perversão na escala dos valores fundamentais (Del pozo Abejón: 325).
A figura de Abel e a figura de Jesus, novo Adão.
Não só o sangue de Abel clama a Deus, fonte e defensor da vida, mas o de toda a humanidade. O Sangue de Cristo clama de forma única. É o Sangue para a remissão dos pecados (Mt 26, 28): fonte de redenção perfeita e dom de vida nova, implora o perdão, misericórdia e justificação para todos. O que à primeira vista é “Evangelho da morte” se transforma, pelo Sangue de Cristo, em “Evangelho de vida”. a dor e a morte unidos ao Mistério Pascal do Senhor, tornam-se Evangelho de Vida ( Miranda, Gonzalo: p. 243).
O conteúdo essencial do Evangelho da Vida é Cristo: A Pessoa de Cristo: com a encarnação se uniu, de certo modo, a todos os homens (GS 22). Ele é o Evangelho definitivo. Ele é o sentido para toda a humanidade.
O Evangelho da Vida é uma realidade concreta e pessoal, porque consiste no anúncio e na pessoa de Cristo. Ele, no seu nascimento foi objeto de acolhimento e de desprezo. A vida deve ser salvaguardada no seu início e no seu fim. O nascimento de Cristo é um acontecimento escatológico, soteriológico e antropológico ( Tremblay, Real: pp. 347-351). O Sangue de Cristo expressa e exige justiça mais profunda, a misericórdia, e através da intercessão ao Pai pela humanidade é fonte de redenção perfeita e de vida nova. Manifesta à humanidade a sua grandeza, e sua vocação. Através da comunhão com o Sangue do Senhor no Sacramento, o cristão é conduzido à plenitude de sua vocação originária ao amor. A eucaristia é a força para que os fiéis se comprometa em favor da vida (EV 25).
Em Cristo, concentra-se o Evangelho da Vida biológica, física e espiritual. Existe entre elas uma espécie de pericoresis. O dom da vida divina valoriza a vida temporal. A vida físico-biológica tem um grande valor, pois a vida humana no seu complexo é criada à Imagem e Semelhança de Deus. No contexto da Encarnação e do Mistério Pascal, o Evangelho da Vida, paradoxalmente, porta o Evangelho da Morte. A fugacidade da vida terrena (2Cor 5, 1) não autoriza de modo algum a prática do aborto e da eutanásia. Essa prática não está em perspectiva da vida eterna ( Temblay, Real: pp. 355-388). O Papa João Paulo II traça um quadro sombrio, que justifica a cultura de morte (EV 7-28). O documento também traça sinais de esperança, como contra proposta à cultura da morte (EV 6. 21.25- 28. 50. 77. 78ss. 82. 87. 95.97. 100).
A Família, Santuário da Vida.
O Magistério do Papa João Paulo II
O extraordinário contributo de J. Paulo II abriu novos horizontes para a reflexão dogmática sobre a Pessoa, Matrimônio e Família. Os estudos sobre seu magistério - que recupera a sua experiência pastoral e a reflexão filosófico - teológica - são enormes. Será suficiente, portanto, evocar as principais intervenções do Pontífice, os quais merecem uma particular atenção:
a) A Catequese sobre o Corpo e sobre o Amor (2 de setembro 1979 - 28 de novembro de 1984);
b)A Exortação Apostólica Familiaris Consortio (22 de novembro de 1981);
c)A Carta Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988), Redemptoris Mater (25 de março de 1987) e a Carta às Mulheres (30 de junho de 1995);
d) Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé, Donum Vitae (22 de fevereiro de 1987) e Ordinatio sacerdotalis (24 de maio de 1994);
e) A Encíclica Evangelium Vitae (25 de março de 1995).
O Papa João Paulo II percorreu todas as questões conexas ao tema do matrimônio. Permitiu aprofundar a direção antropológica e ofereceu uma fundamentação cristológico - trinitária. De tal forma, favoreceu o desenvolvimento da teologia da família, cessando de ser um apêndice do tratado do matrimônio (Scola, pp. 13-15).
Só a título de exemplo: No dia 03.02. 80, na ocasião do congresso para parteiras, J. Paulo II proferiu um discurso intitulado: “Em defesa da vida e da família”:
a) “O serviço prestado à vida e à família é a razão de ser essencial desta profissão”;
b) O homem, como ser dotado de inteligência e de vontade livre, recebe o direito à vida imediatamente de Deus, de quem é imagem, não dos pais nem de qualquer sociedade ou autoridade humana;
c) A vós pertence confirmar no ânimo dos pais o desejo da nova vida e a alegria pela mesma, que desabrocha de eles se amarem; a vós sugeriu-lhes a visão cristã, mostrando com vossa atitude reconhecerem na criança, formada no seio materno, um dom e uma benção de Deus;
d) Cultivar a clara consciência do altíssimo valor da vida humana (Sadoc, Maio de 1980 / 1042).
O Magistério da Igreja não supre a consciência moral das pessoas a descobrirem a verdade das coisas, o mistério e a vocação da pessoa humana, o sentido profundo dos seus atos e das suas relações. Porque a consciência não pode nunca abandonar-se ao arbítrio; pode errar orientando-se para o que lhe parece racionalmente um bem; mas o seu dever é orientar -se para o bem segundo a verdade (...). Esta total doação recíproca e a procriação humana não são outra coisa, na vida do casal, senão o reflexo fiel da natureza do matrimônio. Logicamente, os laços essenciais entre a natureza do próprio matrimônio, a doação recíproca de si e a abertura para a vida, determina a verdade dos atos específicos do matrimônio, condicionado ao mesmo tempo o fato que eles sejam bons ou não (J. Paulo II: Discurso na Assembléia do Pontifício Conselho para a Família, julho/ agosto 1986/ 22).
O matrimônio é uma instituição natural do amor conjugal. E esta instituição tem como seu fim natural e intrínseco a transmissão da vida. Homem e mulher unidos por uma entrega de amor que se dilata nos filhos gerados como fruto daquela comunhão de amor. A vida humana tem pois como fundamento protetor a mesma conexão existente entre os esposos.
A comunhão das pessoas dos esposos se converte em comunidade familiar pela procriação e acolhida dos filhos. A fortaleza ou a debilidade da união entre os esposos e do seu amor determina na existência quotidiana a solidez ou a fragilidade da família em defesa e no serviço à vida. A família, tendo um papel singular na promoção da dignidade da vida humana, deve ser sustentada na sua tarefa por quem de direito.
A relação existente entre família e vida tem uma força singular: através da família discorre a história do homem, a história da salvação da humanidade (Carta as famílias 23). Existe, certamente, uma estreita conexão entre o Evangelho da Família e o Evangelho da Vida. A relação intrínseca entre família e vida tem uma força singular.
O amor e a transmissão da vida
Nos últimos tempos houve quem desejasse estabelecer uma separação neste binômio : amor e transmissão da vida. Queria contrapor o amor conjugal e a transmissão da vida como se o primeiro ocupasse o lugar e a finalidade na estrutura do matrimônio, e como se o valor da procriação negasse a importância do amor conjugal. O Vaticano II indicava, junto ao egoísmo e hedonismo, os usos ilícitos contra a geração como profanação do amor conjugal (GS). A confusão gira em torno dos fins do matrimônio: o fim primordial o amor dos esposos e a prole como fim secundário. Com efeito que, sendo secundário, poderia ser pouco tomado em consideração, sobretudo quando sua presença podem criar conflito com outros valores principais.
Não se pode cindir o binômio amor e transmissão da vida. Esta atitude contra a geração é uma profanação do amor conjugal.
Uma certa participação do homem no domínio de Deus manifesta-se também na específica responsabilidade que lhe está confiada no referente à vida propriamente humana. Essa responsabilidade atinge o auge na doação da vida, através da geração por obra do homem e da mulher no matrimônio (cf. GS 50).
Ao falar de “uma participação especial” do homem e da mulher na “obra criadora” de Deus, o Concílio pretende pôr em relevo como a geração do filho é um fato não só profundamente humano, mas também altamente religioso, enquanto implica os cônjuges, que formam “uma só carne”(Gn 2, 24), e simultaneamente o próprio Deus se faz presente (...). A geração é a continuação da criação (EV 43).
A crise que afeta o valor da vida como dom e o seu caráter inviolável não nasceu, certamente, na família; mas ela não permaneceu forte na defesa de sua própria missão de Santuário da Vida. Com efeito, se muitos graves aspectos da problemática social atual podem, de certo modo, explicar o clima de difusa incerteza moral e, por vezes, atenuar a responsabilidade subjetiva no indivíduo, não é menos verdade que estamos perante uma realidade mais vasta que se pode considerar como verdadeira e própria estrutura de pecado, caracterizada pela imposição de uma cultura anti-solidária, que em muitos casos se configura como verdadeira ‘cultura de morte. É ativamente promovida por fortes correntes culturais, econômicas e políticas, portadoras de uma concepção eficientista da sociedade.
Olhando as coisas deste ponto de vista, podemos, em certo sentido, falar de uma guerra dos poderosos contra os fracos: a vida que requeria mais acolhimento, amor e cuidado, é reputada inútil ou considerada como um peso insuportável, e, consequentemente, rejeitada sob múltiplas formas. Todo aquele que, pela enfermidade, e sua deficiência ou, mais simplesmente ainda, a sua própria presença, põe em causa o bem - estar ou os hábitos de vida daqueles que vivem mais avantajados, tende a ser visto como um inimigo do qual defender-se ou um inimigo a eliminar. Desencadeia-se assim uma espécie de “conjura contra a vida”. esta não se limita apenas a tocar os indivíduos nas suas relações pessoais, familiares ou de grupo, mas alarga-se muito...(EV 12).
No âmbito familiar esta crise dissocia o amor conjugal da transmissão da vida. Esta contradição nega à família uma de suas missões, Santuário da Vida. Os crimes praticados contra a vida - do aborto à eutanásia - ferem e profanam a natureza da família como comunidade de amor e a sua vocação para ser ‘Santuário da Vida”(EV 58-59). A incidia contra a vida se instala no coração das relações conjugais desvirtualizando - a . Exige-se em síntese uma família que seja um centro de personalização, gerador de socialização, um seminário de fé e de vida.
Diz o Papa João Paulo II:
Mas queremos concentrar nossa atenção, de modo particular, sobre outro gênero de atentados relativos à vida nascente e terminal (...) é que, na consciência coletiva, aqueles tendem a perder o caráter de “crimes” para assumir, paradoxalmente, o caráter de “direitos”, a ponto de se pretender um verdadeiro e próprio reconhecimento legal da parte do Estado e a conseqüente execução gratuita por intermédio dos profissionais da saúde. Tais atentados ferem a vida humana em situações de máxima fragilidade, quando se acha privada de qualquer capacidade de defesa. Mais grave ainda é o fato de serem consumados, em grande parte, mesmo no seio e por obra da família que está, pelo contrário, chamada constitutivamente a ser “Santuário da Vida” (EV 11).
A cultura da morte tem como estratégia instalar-se no coração da família.
A aliança conjugal
O consentimento matrimonial define e torna estável o bem que é comum ao matrimônio e à família (...). O matrimônio é uma singular comunhão de pessoas. Na base de tal comunhão, a família é chamada a tornar-se comunidade de pessoas (...). Antes de mais, o bem comum dos esposos: o amor, a fidelidade, a honra, a permanência da sua união até a morte(...) deve tornar-se depois o bem dos filhos (...).
A pergunta sobre os filhos e a sua educação está estritamente ligada com o consentimento conjugal, com o juramento de amor, de respeito conjugal, de fidelidade até a morte. O acolhimento e a educação dos filhos - duas finalidades principais da família - estão condicionados pelo cumprimento desse compromisso (...). A união sacramental dos dois, selada pela aliança estipulada diante de Deus, perdura e consolida-se na sucessão das gerações(CF 10)
Tudo quanto fere a unidade e a estabilidade matrimonial projeta esta mesma ferida de divisão e morte na sua relação com o “preciosíssimo dom” que são os filhos. Com efeito, destruída a união profunda dos esposos, “a procriação se converte então em inimigo a evitar na prática da sexualidade”(EV 23). A introdução do divórcio fica mais fácil violar “o parentesco “de carne e sangue”, quando as ameaças à vida se produzem na relação entre pais e filhos, como sucede no aborto, ou quando, em um contexto familiar ou de parentesco mais amplo, se favorece ou se procura a eutanásia”(EV 8).
Quando a relação conjugal se debilita, as relações familiares, sustentada por ela, experimenta um grave empobrecimento. Os que sofrem por primeiro as conseqüências são: a mulher, as crianças, o enfermo e o ancião. O critério da dignidade pessoal, a gratuidade e o serviço se substitui pelo critério da eficiência, da funcionalidade e da utilidade. Aprecia-se o outro não pelo que “é”, mas pelo que tem, faz ou produz. É a supremacia do mais forte sobre o mais fraco”(EV 23).
A defesa mais eficaz da vida dos filhos é a consolidação e o cuidado da relação conjugal. A família sólida torna-se defesa, proteção para a criatura humana fraca e indefesa durante o grande período da infância. Do empenho total de amor entre o homem e a mulher surge o ambiente propício para acolher a vida. A paternidade responsável exige que a geração se realize entre os esposos. Uma paternidade ou maternidade sem um prévio compromisso conjugal procriaria filhos órfãos de pai ou de mãe ou de ambos, porque na base do ato procriativo está ausente a recíproca doação que aquele ato significa (cf. EV 43).
Cônjuges : partícipes da Obra criadora
Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra (Gn 1, 28): a responsabilidade do homem pela vida.
A participação especial do homem e da mulher na “obra criadora” de Deus denota o seguinte: a geração de um filho é um fato não só profundamente humano, mas também altamente religioso, enquanto implica os cônjuges, que formam “uma só carne”(Gn 2, 24), e simultaneamente o próprio Deus que se faz presente (EV 43).
“Nesta função como colaboradores de Deus que transmitem sua imagem à nova criatura, está a grandeza dos esposos dispostos “a cooperar com o amor do Criador e Salvador, que por meio deles aumenta e enriquece sua própria família ”cada dia mais”(EV 43). A responsabilidade própria de cada homem diante do dom da vida humana adquire um grau especial nos cônjuges chamados a colaborar imediatamente com Deus na procriação. Comenta o Papa : " a geração de um filho é um acontecimento profundamente humano e altamente religioso, enquanto implica aos cônjuges que formam "“ma só carne” (Gn 2, 24) e também o próprio Deus que se faz presente" (EV 43). Na paternidade e maternidade humanas Deus mesmo está presente de um modo diferente de como o está em qualquer geração sobre a terra. Com efeito, somente Deus pode prover aquela " imagem e semelhança"” própria do ser humano, como aconteceu na criação. A geração é, por conseguinte, a continuação da criação ”(EV 43).
A especial participação na obra criadora de Deus corresponde o grau de responsabilidade específica da família no serviço e na custódia do dom da vida. A responsabilidade portanto da família é original, primária e decisiva: é uma responsabilidade que nasce de sua própria natureza - a de ser comunidade de vida e de amor, fundada sobre o matrimônio - e de sua missão de “guardar”, revelar e comunicar o amor (FC 17 e EV 92). Deus - como Criador - guarda e defende a vida, os esposos como procriadores participam também dessa especial responsabilidade de “guardar e defender ”a vida em todos os níveis, mas em particular a vida dos filhos. Toda a vocação ao matrimônio está impregnada de defender e guardar a vida humana com as características próprias da entrega de Cristo pela sua Igreja (GS 48).
A responsabilidade da família pela vida brota da própria natureza dela - uma comunidade de vida e de amor, fundada sobre o matrimônio - e de sua missão que é : guardar, revelar e comunicar o amor (...). É, por conseguinte, o amor que se faz generosidade, acolhimento, doação: na família, cada um é reconhecido, respeitado e honrado por ser pessoa; e se alguém está mais necessitado, maior e mais diligente é o cuidado por ele.
A família tem a ver com os seus membros durante toda a existência de cada um, desde o nascimento até a morte. Ela é verdadeiramente “o santuário da vida”(...), o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida (...) e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico. Por isso, o papel da família é determinante e insubstituível na construção da cultura da vida (EV 92).
Objetivo primário da cultura de morte
A crise que afeta o valor da vida não nasceu na família, mas esta não ficou incólume a esta ação mortífera. “A vida que exigiria mais acolhida, amor e cuidado, é tida por inútil, ou considerada como um peso insuportável e, por isso, depreciada por muitos modos” (EV 12).
O golpe maior desta cultura é a dissociação entre o amor conjugal e a transmissão da vida. Quando os genitores agridem a própria vida dos filhos, ferem mortalmente a família e profanam sua natureza de comunidade de amor e sua vocação a ser “santuário da vida”(EV 59). O filho que necessita do cuidado da mulher, às vezes é vítima da própria mãe, do pai também de outras pessoas (EV 59). Mesmo no coração da família - Santuário da Vida - a eutanásia aparece como um gesto mais perverso sobretudo se é realizada por quem deveria assistir com paciência e amor (EV 66).
No outro topo da existência, o homem encontra-se diante do mistério da morte. A experiência de morrer traz algumas características novas em comparaçòao ao passado. Prevalece uuma tendência para apreciar a vida só na medida em que proporciona prazer e bem - estar, o sofrimento aparece insuportável, de que é preciso libertar-se a todo custo. Reivindica-se a morte quando a existência é consolidada sem sentido por causa da dor. Isso é um dos sintomas da “Cultura da morte”. A eutanásia situa-se, portanto, ao nível das intenções e ao nível do método empregado. A eutanásia comporta, segundo as circunstâncias, a malícia própria do suicídio ou do homicídio, ambos é sempre moralmente inaceitáveis (EV 65-66).
Uma entrega para a vida
A família - surgida do matrimônio - é o lugar constitutivo e primário do serviço à vida. Ela é a instituição por excelência que pode gerar, receber e cuidar da vida. As tarefas fundamentais da família (FC 17). A doação recíproca dos esposos - imagem da doação de Cristo pela sua Igreja. Por essa doação se constitui uma forte sociedade (Gn 2, 24). O futuro da sociedade passa pela família. A comunhão conjugal implica em si mesma a capacidade da paternidade e maternidade, ao menos em disposição e tendência. A família serve e protege a vida, mas também a vida promove e protege de algum modo a família.
É na família - fonte protótipa da transmissão da vida, onde se deve garantir a solidez da cultura da vida. É a comunhão do homem e da mulher em sua entrega conjugal que há de fortalecer como base da defesa e do respeito da vida na sociedade. É no seio da família onde se constitui o âmbito seguro e não corre perigo de se converter em lugar de matança, como sucede nos nossos dias. Uma estrutura de pecado que se configura como “cultura de morte “(EV 12). O objetivo prioritário é destruir a comunhão esponsal como princípio da procriação. “A sexualidade despersonalizada e instrumentalizada....(EV 23).
“Os filhos são bênçãos do Senhor, os frutos do ventre, uma recompensa do Senhor”(Sl 127/ 126, 3): a família “santuário da vida”
No seio do “povo da vida e pela vida”, resulta decisiva a responsabilidade da família: é uma responsabilidade que brota da própria natureza dela - uma comunidade de vida e de amor, fundada sobre o matrimônio - e da sua missão que é “guardar , revelar e comunicar o amor”. Em causa está o próprio amor de Deus, do qual os pais são constituídos colaboradores e como que intérpretes na transmissão da vida e na educação da mesma segundo o seu projeto de Pai. É por conseguinte, o amor que se faz generosidade, acolhimento, doação: na família, cada um é reconhecido, respeitado e honrado por ser pessoa; e se alguém está mais necessitado, maior e mais diligente é o cuidado por ele.
A família tem a ver com os seus membros durante toda a existência de cada um, desde o nascimento até a morte. Ela é verdadeiramente “o santuário da vida (...), o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico”. Por isso, o papel da família é determinante e insubstituível na construção da cultura da vida.
Como igreja doméstica, a família é chamada a anunciar, celebrar e servir o Evangelho da vida. esta tríplice função compete primariamente aos cônjuges, chamados a serem transmissores da vida, apoiados numa consciência sempre renovada do sentido da geração, enquanto acontecimento onde, de modo privilegiado, se manifesta que a vida humana é um dom recebido a fim de, por sua vez, ser dado. Na geração de uma nova vida, eles tomam consciência de que o filho “se é fruto da recíproca doação de amor dos pais, é, por sua vez, um dom para ambos: um dom que promana do dom.
A família cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho da vida, principalmente através da educação dos filhos. Pela palavra e pelo exemplo, no relacionamento mútuo e nas opções quotidianas, e mediante gestos e sinais concretos, os pais iniciam os seus filhos na liberdade autêntica, que se realiza no dom sincero de si, e cultivam neles o respeito do outro, o sentido da justiça, o acolhimento cordial, o diálogo, o serviço generoso, a solidariedade e os demais valores que ajudam a viver a existência como dom. a obra educadora dos pais cristãos deve constituir um serviço à fé dos filhos e prestar uma ajuda para eles cumprirem a vocação recebida de Deus. Entra na missão educadora dos pais ensinar e testemunhar aos filhos o verdadeiro sentido do sofrimento e da morte: poderão fazê-lo se souberem estar atentos a todo sofrimento existente ao seu redor e, antes ainda, se souberem desenvolver atitudes de solidariedade, assistência e partilha com doentes e idosos no âmbito familiar.
Além disso, a família celebra o Evangelho da vida com a oração diária, individual e familiar: nela agradece e louva o Senhor pelo dom da vida e invoca luz e força para enfrentar os momentos de dificuldade e sofrimento, sem nunca perder a esperança. Mas a celebração que dá significado a qualquer outra forma de oração e de culto é a que se exprime na existência quotidiana da família, quando esta é uma existência feita de amor e doação.
A celebração transforma-se assim num serviço ao Evangelho da vida, que se exprime através da solidariedade, vivida no seio e ao redor da família com atenção carinhosa, vigilante e cordial nas ações pequenas e humildes de cada dia. Uma expressão particularmente significativa de solidariedade entre as famílias é a disponibilidade para a adoção ou para o acolhimento das crianças abandonadas pelos seus pais ou, de qualquer modo, em situação de grave dificuldade. O verdadeiro amor paterno e materno sabe ir além dos laços da carne e sangue para acolher também crianças de outras famílias, oferecendo-lhes o que for necessário para a sua vida e o seu pleno desenvolvimento. Entre as formas de adoção, merece ser assinalada a adoção à distância (...).
Concebida como “determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum”, a solidariedade requer ser também concretizada mediante formas de participação social e política. Consequentemente, servir o Evangelho da vida implica que as famílias (...),se empenhem por que as leis e as instituições do Estado não lesem de modo algum o direito à vida, desde a sua concepção até a morte natural, mas o defendam e promovam (EV 93).
Um lugar especial deve ser reconhecido aos idosos (...). a marginalização ou mesmo a rejeição dos idosos é intolerável. A sua presença na família ou, pelo menos, a estreita solidariedade desta com eles quando, pelo reduzido espaço da habitação ou outros motivos, essa presença não fosse possível, é de importância fundamental para criar um clima de intercâmbio recíproco e de comunicação enriquecedora entre as várias idades da vida. Por isso, é importante que se conserve (...) uma espécie de “pacto” entre as gerações, de modo que os idosos, chegados ao termo da sua caminhada, possam encontrar nos filhos aquele acolhimento e solidariedade que lhes tinham oferecido quando estes estavam desabrochando para a vida (...). O idoso não pode ser considerado apenas objeto de atenção, solidariedade e serviço. Também ele tem um valioso contributo a prestar ao Evangelho da vida. Graças ao rico patrimônio de experiência adquirido ao longo dos anos, o idoso pode e deve ser transmissor de sabedoria, testemunha de esperança e de caridade (EV 94).
Conclusão
O matrimônio é uma aliança conjugal ou pacto de amor, e também é uma comunidade de vida e de amor. A doação prototípica dos esposos se faz patente a entrega esponsal de Cristo a sua Igreja. Sendo assim, o matrimônio é fonte de fecundidade. Os esposos se tornam colaboradores de Deus no ato de procriar (Francisco Gil Hellín: em Familia et Vita 2, 1998, 86-87; GS 50).
Quando o amor é vivido no matrimônio, ele compreende e ultrapassa a amizade e realiza-se entre um homem e uma mulher que se dão na totalidade, respectivamente segundo a própria masculinidade e feminilidade, fecundando com o pacto conjugal aquela comunhão de pessoas na qual Deus quis que fosse concebida, nascesse e se desenvolvesse a vida humana (Conselho Pont. Para a Família, Sexualidade Humana 14).
Existe uma relação entre a família e o Evangelho da Vida.
A natureza da família: Santuário da Vida (EV 6. 11. 59. 88. 92. 94).
A missão da família: guardar, revelar e comunicar o amor (EV 92), por isso a família tem um papel insubstituível.
Assistência humana aos anciãos e enfermos terminais (EV 80).
Defender e promover a vida (EV 92).
Celebra o Evangelho da vida com oração quotidiana e a vida em família (EV 93).
Serve ao Evangelho da vida por meio da solidariedade, adoção ou acolhimento temporário de crianças e da participação na vida sócio política (EV 93). Serviço de caridade: Trata-se de “cuidar” a vida toda e da vida de todos. Trata-se de ir às próprias raízes da vida e do amor. É preciso criar formas discretas mas eficazes de acompanhamento da vida nascente, prestando uma especial solidariedade àquelas mães que, mesmo privadas do apoio do pai, não temem trazer ao mundo o seu filho e educá-lo. Cuidado análogo deve ser reservado à vida privada pela marginalização ou sofrimento, de forma particular nas suas etapas finais (EV 87 ). Promover centros com métodos naturais de regulação da fertilidade. Consultórios matrimoniais e familiares. Centros de ajuda à vida e os lares de acolhimento da vida. comunidades terapêuticas. Empenho no voluntariado a serviço da vida. o Evangelho da vida seja servido ainda por meio de formas de animação social e de empenho político (EV 90). Instaurar uma verdadeira economia de comunhão e de participação de bens. O ecumenismo (EV 91).
REFERÊNCIAS
DEL POZO ABEJÓN, Gerardo em AAVV., Comentario Interdisciplinar Evangelium Viate, Madrid: BAC, 1996.
GIL HELLÍN, Francisco, El amor conyugal al servicio de la vida en la Evangelium , Vitae, em Familia et Vita, Vaticano 2, 1998.
JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Evangelium Vitae. São paulo: Paulinas, 1995.
JOÃO PAULO II. Carta às Famílias. São Paulo: Paulinas, 1994.
JOÃO PAULO II. Paternidade e Maternidade. L’Osservatore Romano, anno 36, n. 4, p.4, set.1999.
______________. Em defesa da vida, em Sadoc, Maio de 1980/ 1042.
______________. Discurso na Assembléia do pontifício Conselho para a Família, jul./ago. 1986/ 22.
LA FAMILIA, Al Servicio de la Vida, In:AAVV., Comentario Interdisciplinar Evangelium Vitae, BAC, Madrid, 1996
MIRANDA, Gonzalo, In:AAVV., Comentario Interdisciplinar Evangelium Vitae. Madrid: BAC, 1996.
PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA,. Sexualidade Humana: Verdade e Significado São Paulo: Paulinas, 1996.
SCOLA, Angelo, Il Mistero Nuziale. Roma: PUL, 1998.
TEMBLAY, Real, em AAVV., Comentario Interdisciplinar Evangelium Vitae, Madrid: BAC, 1996.
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