Mt 26, 14 – 17, 66
Cristo vai ao encontro da morte com liberdade de filho
A oferta de sacrifícios a Deus parece constituir, em todos os povos, a expressão mais significativa do senso religioso do homem. Despojando-se de tudo o que lhe pertence por conquista ou pelo trabalho, o homem reconhece que tudo pertence a Deus e lho restitui em agradecimento. E quando uma parte do que foi sacrificado é comida pelos ofertantes, então se estabelece uma comunhão simbólica entre Deus e os comensais, uma participação da mesma vida.
Na Bíblia, as tradições sacerdotais nos dão a conhecer uma legislação complexa, que poderia facilmente assumir valor autônomo e, portanto, formalista, esquecendo o significado da ação cultual em relação à salvação integral do homem. Os profetas lembram freqüentemente que Deus só aceita as ofertas e sacrifícios se são acompanhados de uma atitude interior de humildade, de oferta espiritual de si mesmo, de reconhecimento da própria e radical pobreza e da necessidade de uma libertação que nós sozinhos não podemos obter, mas podemos invocar e esperar de Deus.
O servo de Javé
A pobreza é, pois, o sacrifício espiritual, isto é, a realidade profunda de toda oferta e imolação de animais e de coisas em honra de Deus. Esta é a atitude dos "pobres de Javé", e especialmente do "Servo de Javé"; este, tanto no sentido individual como no corporativo. Enviado para salvar seu povo (a humanidade), é obrigado a suportar perseguições e ultrajes; aceita-os, entretanto, com paciência e mansidão, sabendo que Deus o salvará (1ª leitura e salmo responsorial). Cumpre sua missão oferecendo-se a si mesmo como vítima inocente, para expiar os pecados do povo. Por sua obediência e amor, Deus o exaltará e glorificará; e, com os irmãos salvos, ele louvará o Senhor num sacrifício (banquete) de ação de graças (salmo responsorial) aberto a todos.
Jesus escolhe uma pobreza radical
Na encarnação, Jesus fez sua a pobreza radical do homem perante Deus (2ª leitura). Coerente com esta escolha, apoiou-se na palavra do Pai, que nas Escrituras e nos acontecimentos lhe indica o caminho para cumprir sua missão; não se subtraiu à condição do homem pecador, ao sofrimento que provém do egoísmo, nem aos limites da natureza humana, entre os quais, antes de tudo, a morte. Um homem como todos, um pobre em poder de todos; assim o mostra o sucinto e objetivo relato dos evangelistas (evangelho). Vemo-lo como uma vitima da intolerância e da injustiça, um amotinador ou, quando muito, um sacrificado pelos seus por um falaz cálculo político.
Mas isto não bastaria para dele fazer um salvador. O que resgata a sua morte, o que a transfigura - para ele e para nós - é o imenso peso de amor com que faz dom da vida, para libertar-nos da violência e do ódio, do fanatismo e do medo, do orgulho e da auto-suficiência; para tornar-nos - como ele - disponíveis a Deus e aos outros, capazes de amar e perdoar, de ter confiança e reconstruir, de crer no homem ultrapassando as aparências e as deformações.
A Igreja esta com Jesus crucificado
Só assim a Igreja oferece hoje o sacrifício espiritual agradável ao Pai; quando, reconhecendo-se pecadora e sempre necessitada de salvação, apresenta não os próprios méritos e sucessos, mas a lembrança viva da sua Cabeça crucificada, do Filho bem-amado, de cuja morte e ressurreição recebe luz e força para ser fiel a sua missão. Aceitando com alegria o sofrimento que completa a paixão de seu Senhor e Mestre, a Igreja pode oferecer o sacrifício eucarístico, como voz dos pobres, dos humilhados, dos desafortunados e dos oprimidos, anunciando a esperança da libertação. E pode fazê-lo com tanto mais verdade, quanto mais houver escolhido não os caminhos do poder, do sucesso e do bem-estar, mas o da coragem para repelir a injustiça e compartilhar plenamente da sorte dos humildes.
Mas, sejamos objetivos, imparciais e concretos; isto nos toca pessoalmente; a Igreja somos também nós. Enquanto temos facilidade em ver as culpas ou as fraquezas dos outros, não estamos nós corrompidos pelos mesmos males? Pensamos talvez que acusando os outros nos desculpamos a nós mesmos? Nesse caso, são Paulo nos diria que somos "indesculpáveis" (Rrn 2,1).
Pe. José Pereira - Colunista
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